Boa noite, meu caro Joaquim MendesEscrevo-te esta epístola em mangas de camisa às 03h da manhã. Sinto a pena a escorregar pelas mãos trêmulas e suadas. Não conseguiria esperar até a aurora para dizer-lho.Após um pacato e maçante dia frio enfiado em minha quinta na Maia, resolvi fazer um passeio noturno pelo Porto.Ordenei ao Simão, meu criado cá,...
Uma vez, já fui o único homem na vida de uma mulher. Talvez ainda o seja, não sei… Ela fugiu-me, lembro-me quando, mas não entendo como, nem mesmo o porquê. Sei que não foi a minha única mulher, muito menos a última, mas foi-me a primeira. Não posso dizer que foi uma qualquer, pois de fato não foi. Contudo, dela...
O acadêmico passeou por toda aquela tarde fria de inverno pelos arredores de Leça do Balio. Olhava fixamente a relva húmida, o antigo mosteiro ao longe; escutava o rio a correr ligeiro, as alvéolas-brancas a gorjear sobre as árvores já desnudas e secas. Contudo, enquanto isso, pensava insistentemente, tentando descobrir o que havia de errado na sua...
Chegou; sentou-se; abriu um caderno em branco; desembanhou a sua caneta, o cheiro de tinta preencheu o escritório e, então, pôs-se prontamente a fazer traçados delicados, delineando suavemente a silhueta magnífica que contemplara. A cada pincelada o desenhista esboçava todos os sentimentos do seu coração perplexo, tentando reproduzir rapidamente a...
Todos os dias venho fumar a varanda e, religiosamente, encontra-a posta na esquina da rua 42, onde vivo há 6 anos. É alta, morena, sempre usando um pervertido batom vermelho e um curtíssimo vestido negro. Os postes faíscam; a luz falha; o esgoto fétido corre a céu aberto por onde rastejam as ratazanas; a penumbra assoma a vista; somente algumas...
Fizeram-no por vários dias seguidos, assim que acabavam as aulas, iam ao jardim da escola, sentavam-se nalgum banco e lá, religiosamente, miravam-se.
Estava sentado; segurava o quadro que lhe entregara quando se despediram. Olhava aquela representação do amor juvenil e, vendo-a no desenho, punha-se a pensar ansioso e aflito: como estaria Lúcia? Será que ainda tinha o mesmo sorriso cativante? E aquele mesmo olhar dardejante de Afrodite? Não sabia. A maresia batia-lhe contra o rosto, os ventos...
Todos os dias buscava Mariana na frente do seu prédio. Ela vinha sempre com a sua saia florida, copo do Starbucks na mão direita, telefone ao ouvido, enquanto palrava altíssimo sobre estatísticas, números, gráficos, vendas, compras e mais dessas coisas das quais não entendia nada (e vendo-a tão histérica, agradecia a D-us por não as compreender)....
E vagueava louco boêmio pelas ruas. Sobre ele o céu carregado tencionava abrir as suas comportas prestes a arrasar a terra iníqua. Mas, enquanto as torrentes não lhe aflingiam, admirava as árvores desnudas de outono. Via-se completamente nelas: secas, sem ramagem, sem frutos, sem viço. A gelada brisa provinciana açoitava-lhe o rosto e as mãos nuas,...
Vide o meu artigo “Aqueles Olhos Azuis” para ter uma visão mais ampla do conceito de “religião do olho preto”:
