Ousaram Quebrar o Silêncio

05-01-2023
Judá e Gabi entreolhavam-se — parecia-me que relia o emocionante encontro da raposa com o pequeno príncipe. De vez em quando, desviavam o olhar envergonhados, mas logo fitavam-se com mais intensidade. Reparavam mutuamente no cabelo um do outro, no calçado, no vestir, isto é, em cada detalhe que fazia cada um ser quem era. 

Fizeram-no por vários dias seguidos, assim que acabavam as aulas, iam ao jardim da escola, sentavam-se nalgum banco e lá, religiosamente, miravam-se. 

Contudo, um dia, — não sabemos quanto tempo depois — Judá ousou quebrar o silêncio, dizendo-lhe:

— Eu gosto de escrever poesia.
— Ah… eu nunca li… mas adoro desenhar.
— É… eu até gostaria de desenhar, mas, infelizmente, não levo jeito pra coisa…
E, silentes, voltaram a contemplar-se recíprocamente.
Num outro dia, volveram — já não se sentavam a antiga distância — Gabi, invulgarmente, aventurou-se a quebrar o mudismo, dizendo-lhe:
— Olha, fiz-te um desenho… és tu… — Era uma verdadeira gravura, feita com uma artística riqueza de detalhes, complexa e virtuosa, revelando a intuição duma raposa.
— Nossa… que lindo… eu por acaso, também te compus uns versetos…
— Lê-mos, por favor…
— Okay…— E recitou-os com uma voz trêmula e acanhada:

 

Contemplo-te sempre, olímpica estátua,
Admirando, pio servo, a tua beleza marmórea
Que dentre as divinas revela-se a áurea;
Suprema beldade que é somente tua.

Ela corou, agradeceu-lhe e novamente dominou-lhes a mudez.
Até que um dia, Gabi estranhamente sentou-se a uma enorme de distância de Judá. Tão distante que era possível ouvir cada suspiro que lhe saia da boca. Então, subitamente, Judá atreveu-se a romper o mutismo e disse-lhe:
— Gabi… fiz-te um desenho… uma rosa, foi o que consegui… — Era um desenho infantil, com traços grosseiros e simples, porém, sinceros.
— Ah!… que lindo… muito obrigada…— Ela, vulgarmente, corou e disse-lhe prontamente:
—E eu também te fiz uns versinhos… mas não soam tão bons como os teus…
— Recita-mos, por favor!
E declamou-os com uma voz doce e sibilante:

 Teu olhinhos doces e meigos
Enchem-me de sossegos;
Puxados e pequenos,
Aonde olham esses amenos
Quando eu não os estou vendo?

E ele que se apercebera da falta de métrica, da ausência de rítmica, das rimas pobres, com os olhos rasos d'água, disse-lhe:
— Mas tu não gostas de poesia, Gabi… Por que ma fizeste?
— Tu também não gostas de desenho… 
— É verdade, mas gosto de ti, pois tu me cativaste… e os desenhos fazem-me lembrar-me de ti…
— Eu também te amo, Ju… 
E já não mais houve silêncio.
Matosinhos - Porto
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