Amas-me?
31-12-2022

Estava sentado; segurava o quadro que lhe entregara quando se despediram. Olhava aquela representação do amor juvenil e, vendo-a no desenho, punha-se a pensar ansioso e aflito: como estaria Lúcia? Será que ainda tinha o mesmo sorriso cativante? E aquele mesmo olhar dardejante de Afrodite? Não sabia. A maresia batia-lhe contra o rosto, os ventos sopravam mais fortes, o sol já começava a por-se e ele desiludido, pensava que ela sempre não vinha.
Ia levantar-se, quando, de repente, viu calorosamente uma mulher escultural posicionar-se diante de si. Será que é ela? Claro que sim! Aqueles enormes luzeiros só podiam ser dela. Ela, então, quebrou o silêncio, dizendo-lhe:
— Olá, Ferdinando…
— Olá, Lu… Estás… tão linda!
— Tu também. Estás diferente… Barbudo… O sol do Brasil fez-te bem, Ferdinando — Não lhe ousava dizer, mas, aquela barba e a sua pele trigueira do sol, davam-lhe um aspecto maduro e sedutor.
— Verdade… Mas, tu, estás tão diferente…
— Muitas coisas mudaram, Ferdinando.
— Engraçado, porque para mim, continuas a mesma menina que deixei chorando no aeroporto… não mudaste nada.
— Tu também pareces o mesmo menino idiota e sonhador…
— O sol pôs-se já, está escurecendo. Queres continuar a conversa em minha casa? Há bolo de fubá e chá de limão. O que me dizes?
Ela corou. Pensava somente em vê-lo, cumprimentá-lo de maneira grosseira e indiferente, depois, sair como quem diz adeus. Tê-lo-ia logrado, senão tivesse fitado fixamente àqueles olhos negros que a dominavam com todos seus os mistérios. Ama-me ainda? Por que me olha tão fixamente? Por que insiste em olhar nos meus olhos? E desviando-lhe a mirada, disse-lhe balbuciante:
— Claro… podemos, Fe…
E caminharam pela orla da praia. Enquanto, palavreavam, ela encantava-se progressivamente por ele; sentia novamente reacender a chama que jurava ter se apagado no seu peito. Mal sabia ela que quando ele assoprasse a pequena brasa existente, revelar-se-ia muita lenha para queimar.
Chegaram à porta da sua casa.
— É aqui, pode entrar. Rápido, pois o vento está a castigar-nos já.
Ao entrar, ouviu os estralos vindos da lareira, sentia o cheiro do limão e do bolo fresco. Percebeu, então, que ele deixara um quadro em cima da mesa. Virou-o e logo reconheceu-o, quando foi interrompida:
— Quer o seu chá com açúcar ou sem? Bem, sabes que eu só tomo sem — E dizia-o com um tom nostálgico que a contagiava.
— Ah! quero com, mas não muito — E, reparando na desorganização que se encontrava a casa, disse-lhe:
— Faz falta uma mulher nesta casa, Fe.
Ele riu envergonhado. Lembrou-se de todas às vezes que ela, no passado, dobrou-lhe suas roupas, vestiu-o como gostava e recordava-o dos afazeres.
Comeram; sorveram; palraram mais um pouco. Quanto mais ele falava, mais ela se prendia na sua sinceridade e simplicidade que o faziam realmente parecer o mesmo menino que conhecera. Até que repentinamente ele lhe disse:
— Perdão, Lu! Onde estão os meus modos? Não te mostrei a casa quando chegamos. Vamos começar pelo meu quarto que está aqui do lado.
Ela acanhou-se de novo, mas, acompanhou-o, sem demonstrar surpresa ou êxtase. Rapidamente viu uma cama enorme e um pouco desalinhada, paredes alarajadas, duas enormes estantes de livros — onde se destacava uma edição encadernada e luxuosa d'Os Maias — uma escrivaninha com alguns cadernos, uma pequena lamparina no canto da alcova que os deixava a meia-luz.
Apresentou-lhe o quarto, sentou-se na cama, jogou-se e convidou-a a experimentar. Ela, sem demonstrar surpresa, mas com o coração a palpitar, deitou-se ao seu lado. Instintivamente aproximou-se dele. Quando se percebeu, já estava colada a ele. Ele, a meia-voz, perguntou-lhe com ternura:
— Por que não me olhas nos olhos? Os teus são tão lindos… Deixa-me vê-los.
— Não quero…
— E porquê não?
— Porque se olhá-los vou beijar-te…
— Então, olha-me.
Ela olhou-o, e a suas almas entrelaçaram-se num beijo longo e adocicado — sentira a mesma sensação de quando o beijou pela primeira vez. O que estou fazendo? Odeio-o! Mas, amo-o! Quero-o! Desejo-o!
Ela, finalmente, rendeu-se ao seu amor e entregou-se completamente a ele. Amaram-se, como nunca se tinham amado; declararam-se mutuamente; riram; lambuzaram-se até ficarem saciados.
Após longa e fervorosa paixão, ele disse-lhe:
— Amor, tu amas-me?
— Amo-te, tu sabes que és o homem da minha vida.
— Então, por favor, promete-me uma coisa, só essa coisa te peço.
— O quê?
— Por favor, não fujas mais de mim…
— Eu prometo-te, Fe… que vou tentar.
Continuaram e possuíram-se a noite inteira.
No outro dia, ele acordou e estava só; ela deixara-lhe somente um colar roxo sobre a cabeceira. Apanhou-o e olhando-o, disse desacreditado:
— Fugiste-me…