Inspiração
06-03-2023

Natã caminhava desesperadamente pelo seu apertado quarto. Quem o visse, logo se lembraria daqueles lobos de zoológico, que presos a uma estreita jaula, nada mais podem fazer do que correr em círculos.
Mas, havia motivos para fazê-lo: o concurso de escritores aproximava-se gradativamente, e a sua dívida a juros, com o Agiota Brutus, galgava exponencialmente.
Precisava do prêmio, mas a pena não desemperrava! Onde estaria a criatividade? Nada; nem uma simples ideia. Já tentara ler diversos livros, assistir a filmes clássicos, passear pela natureza, porém nada lhe resultava.
O meu caro leitor deve estar perguntando-se: “Ué!? mas por quê não trabalha o vadio? Muito mais rentável do que qualquer trabalhéco de escritor medíocre!”. Isso até poderia ser verdade, se Natã não fosse um fracasso — ao menos, para a sociedade moderna, talvez na Roma Antiga, seus dons de bom escritor fossem valorizados e ele pudesse escrever uma epopeia com Virgílio —. Todavia, não sabia trabalhar. Já o tentara e sempre foi demitido em poucos dias, diziam-lhe que não tinha jeito, que tentasse outra coisa. E de fato, o rapazola tentara: carpinteiro, garçom, servente, motorista, atendente de telemarketing, vendedor… Falhanços! Nada além de falhanços! Infelizmente, o rapaz só sabia mesmo escrever e beber louras cervejas pelos botecos da cidade.
Sem embargo, a inspiração que sempre lhe fora amiga, agora, jocosamente escapava-lhe.
— Raios, apenas duas laudas! Não é possível que nem isso tu consegues, homem!
Bradava sozinho na sua alcova.
Quantas vezes outrora, ébrio, num balcão de bar qualquer, escreveu contos magníficos, em troca de algumas garrafas de uma cerveja barata! E agora, nem mesmo sóbrio lhe vinham ideias. Pobre Natã!
Pôs-se a chorar freneticamente, deitado sobre a sua dura e velha cama amarela. Recorreu, então, ao seu Saudoso Amigo: o Divino, era assim que o chamava, pois, dizia que ainda não lhe apresentara o nome. Ao soar do amém, dormiu.
O rapaz sonhou, mas não um sonho qualquer: Um sonho profético! Um grande anjo, com duas imponentes asas, refulgindo glória e esplendor, portando o que parecia ser uma das penas de suas alvas asas. Com uma voz que rimbombava, como a trombeta de Jericó, disse-lhe ser o escrivão do 7º céu, o arcanjo responsável por inspirar as Sagradas Escrituras, e, em seguida, ditou-lhe o tão desejado texto que venceria o assombroso concurso.
Acordou desesperado e, em mangas de camisa, colocou-se a escrevinhar empolgadíssimo. Lembrava-se perfeitamente de cada palavra que o anjo lhe dissera na noite passada, tudo ainda estava muito fresco na sua memória.
A cada palavra, frase, parágrafo que grafava, sentia uma luz penetrar-lhe a razão, inspirando-o como uma forte lufada de verão — Se os profetas de fato foram inspirados por D-eus, provavelmente a sensação sentida era aquela que Natã experimentava —. A pena parecia mover-se sozinha, como se Alguém, e não ele, escrevesse. Até mesmo a ortografia mudara!
Estava consumado, terminara-o ao anoitecer. Duas laudas completas, com todo o estribilho e o esmero que caracterizam os grandes clássicos. Tudo ali fora meticulosamente planejado.
Crente de que nunca escrevera nada tão grandiosamente homérico, enviou a sua façanha ao seu melhor amigo: Ferdinando. E foi deitar-se, certo da vitória, sentido o cheiro dos contos de réis que prodigiosamente lhe caíam às mãos e foi dormir tranquilamente.
Ao acordar, abriu sofregamente a caixa postal do correio eletrônico para abrir a correspondência do amigo, que lhe dizia:
Natã, acabo de ler o teu conto. Muito bom, só acho que deverias reescrever alguns parágrafos ali e acolá, Lem de colocar mais imagens. Tá uma sensaboria total, mas de resto, muito bom.