És Feliz?

29-12-2022
Todos os dias buscava Mariana na frente do seu prédio. Ela vinha sempre com a sua saia florida, copo do Starbucks na mão direita, telefone ao ouvido, enquanto palrava altíssimo sobre estatísticas, números, gráficos, vendas, compras e mais dessas coisas das quais não entendia nada (e vendo-a tão histérica, agradecia a D-us por não as compreender). Entrava logo, toda atrapalhada, com papelada em mãos; cumprimentava-me com um “bom dia” cordial e simpático, porém, sem cessar a conversa ao telemóvel, logo, dizia-me religiosamente:
— Ao trabalho, por favor!
— Opa, é para já. Respondia-lhe prontamente.
Assim passavam-se os dias, os meses, os anos... Até que um dia ela chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar: já não estava descabelada, nem a deixar cair papéis pelos braços, tão pouco vinha a palavrear ao celular. Estava calma, sem pressa, tranquila como a brisa provinciana. Sentou-se ao meu lado; senti o doce perfume de rosas preencher-me o carro; usava um mavioso vestido florido. Em seguida, deu-me um bom dia calmo e sossegado acompanhado de um convidativo sorriso. Respondi-lhe:
— Bom dia, Mariana! Estás diferente hoje? O que te aconteceu? Dormiste do outro lado da cama?
— Ai, seu bobo! É que hoje eu estou de folga. Já nem sabia mais o que era um dia livre na semana. Disse-o com um longo suspiro aliviado.
— Então, hoje já não te levo ao trabalho, né? Vamos aonde?
— Ao parque da cidade! Por favor!
E lá fomos nós. A viagem foi tranquila e doce, sem conversas histéricas, sem falar de números, de gráficos e, muito menos, de vendas. Falamos sobre sorvetes, crianças, carrosséis e balanços. Quando lá chegamos, perguntou-me delicadamente:
— Não queres vir comigo? Hoje, por acaso não tenho companhia e gostaria de alguém para tomar um gelado comigo.
Obviamente, aceitei-o. Decidi ficar com ela mais um tempo, fazia-me tão bem a sua presença, e pensava eu que jamais a veria novamente daquela forma: tão leve, tão feliz, tão ela mesma.
Após bonançosa conversa, ela virou-se subitamente para mim e disse-me:
— Posso fazer-te uma pergunta?
— Podes, claro que sim!
— És feliz?
Ao ouvir aquela estranha e inesperada pergunta, eu congelei. Travei por uns minutos e antes que eu pudesse pensar numa resposta, ela disse-me:
— É que eu noto que és um rapaz tão triste, tens um sorriso melancólico...
As nuvens pareceram enegrecer-se; as andorinhas debandaram; o sol escondeu-se; as flores fecharam-se. E eu respondi-lhe:
— Não, acho que não sou...
Essa foi a última vez que fui o seu taxista; essa foi a última vez que dirigi um carro; essa foi a última vez que a vi; essa foi a última vez que fui alguma coisa.

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