Ao Verme que Roeu Brás Cubas

19-03-2023

Fabiano Gimenez Junior 

Foi-nos proposto, no âmbito da disciplina de Português, que fizéssemos uma apreciação crítica de uma obra do Plano Nacional de Leitura de Portugal. Para fazê-lo eu selecionei a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, a fim de promover a literatura brasileira em sala de aula e de expor um dos maiores clássicos da literatura à minha turma. O guião da apresentação tornou-se artigo e, agora, publico-vo-lo.  Contudo, o limite de palavras imposto pela prof. obrigou-me a fazer uma apreciação curtíssima a semelhança das que encontramos nos jornais, não podendo esgotar os principais pontos da obra. Enfim, desejo-vos uma ótima leitura.

Obs: Após o artigo, encontrarão o mesmo em formato PDF e do diapositivo utilizado.

"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas".[1]

Assim, inicia-se Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis[2], uma das maiores obras da literatura brasileira, inauguradora do realismo no Brasil. Publicada em 1881, a obra traz consigo diversas inovações estéticas, estilísticas e narrativas à literatura brasiliana.

Nela, Machado surge como crítico sagaz da sociedade burguesa carioca, denunciando-lhes os vícios e costumes de modo genial, perspicaz e irônico.

O livro é uma narração póstuma recheada de digressões e divagações filosóficas de Brás Cubas, escritas após sua morte, de sua trajetória enquanto vivo.

Valendo-se do "defunto autor", o Bruxo do Cosme Velho, detalha e denuncia as futilidades de uma sociedade vazia e hipócrita. Porquanto, um finado, despido de vergonha e das convenções sociais, pode analisar a sua própria vida com total "franqueza", como afirma o próprio narrador "nada há tão incomensurável como o desdém dos finados". Esta honestidade ao relatar as próprias hipocrisias tornam a obra extremamente cômica.

Apesar de o narrador ser o personagem mais hipócrita e canalha de toda a literatura lusófona, o seu tom confidente e coloquial ao contar-nos as suas memórias, torna-o simpático e íntimo, além de conceder muita verossimilhança a história.

A genialidade da obra faz-se revelar também pela sua escrita "[…] com pena da galhofa e tinta da melancolia" que permite ao narrador relatar-nos, de modo jocoso, as contradições da sua própria vida e da burguesia que o circundava. Vide a descrição da religiosidade de Virgília, mulher que, ao desistir de casar-se com Brás Cubas, transforma-o em seu amante (cap. LVII):

"Virgília era um pouco religiosa. Não ouvia missa aos domingos, é verdade, e creio até que só ia ás igrejas em dia de festa, e quando havia lugar vago em alguma tribuna. Mas rezava todas as noites, com fervor, ou, pelo menos, com sono. Tinha medo ás trovoadas; nessas ocasiões, tapava os ouvidos, e resmoneava todas as orações do catecismo. Na alcova dela havia um oratoriozinho de jacarandá, obra de talha, de três palmos de altura, com três imagens dentro; mas não falava dele ás amigas; ao contrario, taxava de beatas as que eram só religiosas."[3]

Ademais, as descrições psicológicas profundas e perscrutadoras penetram o âmago das personagens, que nos permitem uma reflexão íntima acerca das nossas próprias incoerências e mesquinhez. Esta capacidade evidencia o profundo conhecimento da psique humana do escritor fluminense.

Além disso, a obra, contrapondo-se ao romantismo vigente até então, com o seu olhar idealista, otimista, cheio de princípios e valores, apresenta-nos uma visão pessimista e cética das experiências humanas, como a vida, a morte, o amor, as amizades, etc. Um ótimo exemplo deste niilismo na obra é a reflexão de Cubas acerca da inexorabilidade do tempo e da morte:

"Invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo; o derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre."[4]

Em suma, o tom íntimo e confidente, a genialidade na escolha e desenvolvimento do narrador-personagem, a escrita cômica e irônica, a análise psicológica e o olhar pessimista e cético, fazem de Memórias Póstumas de Brás Cubas uma das maiores obras da humanidade. Assim, a obra justifica o título dado pelo crítico literário e professor catedrático estadunidense, Harold Bloom, de "maior escritor negro do literatura universal" a Machado de Assis.

Matosinhos, 19 de março de 2023.


[1] MACHADO DE ASSIS, J. M. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Jandira: Ciranda Cultural, 2019. p. 7.

[2] Machado de Assis (Joaquim Maria Machado de Assis), considerado o maior escritor brasileiro, nasceu em 21 de junho de 1839, na cidade do Rio de Janeiro. Negro e de origem pobre, não possuía estudos formais, foi desde cedo autodidata. Também trabalhou como aprendiz de tipógrafo, revisor, jornalista e funcionário público. Além de ser romancista, contista, dramaturgo, poeta e cronista. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e o seu primeiro presidente. O escritor faleceu em 29 de setembro de 1908 no Rio de Janeiro.

[3] MACHADO DE ASSIS, J. M. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Jandira: Ciranda Cultural, 2019. p. 84.

[4] MACHADO DE ASSIS, J. M. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Jandira: Ciranda Cultural, 2019. p. 81.


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