O poema apresentado pertence à obra Mensagem de Fernando Pessoa, o único livro em língua portuguesa publicado pelo autor em vida, é uma coletânea de poemas que exaltam, em tom glorioso e épico, a grandeza lusitana de outrora e os seus respectivos heróis, envolvendo-os de uma aura mística, messiânica e, sobretudo, mítica. O tom saudosista da obra releva o profundo desejo de restaurar o antigo Império, denunciando a decadência do Portugal contemporâneo.
Dentro da macro estrutura da obra, dividida em “Brasão”, “Mar Português” e “O Encoberto”, o nosso poema encontra-se na primeira. Esta relata o florescimento e desenvolvimento do Reino Português, cantando as figuras lendárias e/ou históricas que o fundaram.
Mais especificamente, “O Brasão” subdivide-se em outras 5 partes: “Os Campos”, “Os Castelos”, “As Quinas”, “As Coroas” e “O Timbre” (elementos que constituem o Brasão português), respectivamente, dos quais o poema a ser analisado pertence ao segundo.
Título
“O Conde D. Henrique, pai de D. Afonso Henriques — fundador e primeiro rei de Portugal —, ajudou o reino de Leão e Castela na luta contra os mouros. Tornou-se, por feitos militares, governador do Condado de Portucalense (embrião de Portugal).
Tema
A Divina Providência guiando os heróis no decorrer da história portuguesa, tomando como exemplo Conde D. Henrique.
Estrutura
Estruturalmente, o poema constitui-se de 8 versos divididos em 3 estrofes irregulares, cuja métrica alterna-se entre 8 e 4 sílabas poéticas.
Ademais, o texto divide-se em 2 partes: A) O Divino rege a história; B) O exemplo de Conde D. Henrique, versos 5-8, respectivamente.
Parte A:
A primeira parte do poema discorre, de forma geral, o conceito da Divina Providência e da passividade dos heróis mediante o agir do fado na história.
O poema abre, anunciando-nos o tema que será desenvolvido nos versos subsequentes e exemplificado na Parte B: “Todo começo é involuntário”.
O valor aspectual genérico da frase evidencia que, segundo o sujeito poético, este é um princípio universal e absoluto. Este mesmo valor aspectual será utilizado em toda a 1ª estrofe.
“Deus é o agente”. A Sua Suprema Vontade é o real sujeito de toda a narrativa histórica.
“O herói a si assiste”. Contempla-se a ser levado pela Força Superiora, como telespectador sem vontade própria.
“[…]vário/ e inconsciente”. A dupla adjetivação reforça a passividade do herói que, sem compreender o que está realizando, concretiza o plano celestial.
Parte B:
Aqui, o eu lírico já não mais enuncia verdades absolutas, mas, discursa a alguém — uma 2ª pessoa — conforme o uso dos pronomes e das conjugações demonstrar-nos-á que será Conde D. Henrique.
“À espada em tua mão achada”. A espada, símbolo da virilidade, do heroísmo cristão, da luz da verdade, da Vontade Divina, é “achada”, isto é “encontrada, descoberta”, como se Alguém a houvesse colocado em sua mão.
“O teu olhar desce”. O hipérbato reforça o foco à espada em detrimento do olhar.
“«Que farei eu com esta espada?»”. A pergunta retórica do Conde intensifica a confusão mental que a espada lhe causa.
“Ergueste-a, e fez-se”. Quem a ergue é o Conde, mas quem opera todas as façanhas é um 3º, qual nos mostra a mudança abrupta de pessoas no período (da 2ª para a 3ª), vide a vírgula separando as orações.
O tema nos é anunciado e desenvolvido a priori com frases curtas e marcantes, anunciando-nos verdades absolutas que serão fundamentais para a compreensão global da obra.
Segue-se o uso exemplificador particular da figura de Conde D. Henrique onde, através de uma riqueza sintética de recursos expressivos, nos é apresentada a confusão mental do herói.
O poema conclui-se com um período que resume tudo o que dantes se apresentara: “Ergueste-a e fez-se”. Ou seja, apesar de ser aquele que luta, Deus é Aquele que “faz”, realmente, tudo acontecer.
O curto poema pessoano alcança a sua grandeza mediante o uso preciso e profuso de recursos expressivos e jogos verbais que concedem ao texto uma profundidade e riqueza invejáveis. O conhecimento histórico, cultural e literário do autor, não só aqui, mas em todos os demais poemas do livro, faz-se ribombar pela obra.